segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Sobre a Língua Portuguesa

(este post - por não ser de minha autoria - deveria esta no Cruz Sub Rosa, mas posto-o aqui por que tem referência direta com o post logo abaixo)

Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida.

Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.

Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. "Fabricou Salomão um palácio..." E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais - tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é - não - a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.

Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. A Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.


Fernando Pessoa
(Assinado pelo semi-heterónimo Bernardo Soares in "Livro do Desassossego")

(des)Acordo Ortorgáfico

Olá povo...

Em vigor no Brasil há 4 dias, o acordo ortográfico já deu pano para mangas, camisas, gravatas e vestidos. É o acordo que gerou mais desacordos no Mundo! :-)

Para comecar, um arcodo que visa "unificar a língua portuguesa" deveria ser, no mínino, ratificado por todos os países membros da CPLP antes de se pensar em implementa-lo. Implementar então, deveria ser feita por todos os países, num mesmo dia. Afinal estamos a unificar a língua.

Um acordo que foi ratificado por 4 dos 8 países membros ser colocado em prática apenas em um deles é uma atitute no mínimo temerária (para não dizer idiota!). Não me importa que o Brasil é o maior país de língua portuguesa (grande coisa!), não temos o direito de impor nossa versão da língua sobre todos os outros países lusófonos. Aliás, compartilho eu da indignação do povo português ao dizerem que estão a "abrasileirar a língua". Supreende-me até que Portugal tenha ratificado o acordo.

Ao fim, só veria um beneficio neste (des)acordo: A unificação da ortografia. E pensava eu, ingenua que sou, que ele iria unificar os VOLP's. Mas não enganem-se, Ainda haverá dois VOLP's depois do Acordo: Um "Brasileiro" e um "Português". Oras, passar por toda essa discussão para no fim não unificarmos o idioma é uma burrice sem tamanho.

A mim, enquanto puder, continuarei a usar o trema, a colocar 'c' e 'p' nas palavras e a não adoptar o acordo.... Até que matem a "última flor do Lácio"